sábado, novembro 13, 2010



Quinta-feira passada, dia 11 de novembro, o grupo começou uma segunda etapa nos estudos sobre o “Red Book”. Foi nosso 11° encontro e, depois de muita labuta e paciência no texto introdutório do Sonu Shamdasani, finalmente adentramos no texto de Jung.


Posso dizer que valeu a pena o tempo gasto com o intróito e que seus dados, na maioria históricos, foram dando suporte e preparo para melhor entender um livro tão complexo. Esperei muitos anos da minha vida para conhecer o ‘diário do inconsciente’ de Jung e não seria agora que uma corrida afoita iria facilitar alguma coisa.


Por outro lado, o grupo composto por pessoas de longo caminho na psicologia complexa e que já tinham um bom convívio anterior entre si, foi amalgamando-se em torno do livro e vivendo alegrias, conflitos, esperanças, carinhos e tudo mais que surge no esfregar das asas de nossas almas.


O trabalho em grupo é sempre muito proveitoso pela grande movimentação de ‘energia psíquica’ que com ela trás associações de maneira enriquecedora para o desenvolvimento pessoal. Quinta passada surgiu um poema do ‘José Régio’ da sua fase jovem e aproveito para colocar na íntegra abaixo e lembrar que nem só de Fernando Pessoa vive nossa alma lusitana.



Cântico Negro




"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,


Estendendo-me os braços, e seguros


De que seria bom que eu os ouvisse


Quando me dizem: "vem por aqui"!


Eu olho-os com olhos lassos,


(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)


E cruzo os braços,


E nunca vou por ali...



A minha glória é esta:


Criar desumanidade!


Não acompanhar ninguém.


- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade


Com que rasguei o ventre a minha Mãe.



Não, não vou por aí! Só vou por onde


Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde,


Por que me repetis: "vem por aqui"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,


Redemoinhar aos ventos,


Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,


A ir por aí...



Se vim ao mundo, foi


Só para desflorar florestas virgens,


E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!


O mais que faço não vale nada.



Como, pois, sereis vós


Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem


Para eu derrubar os meus obstáculos?...


Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,


E vós amais o que é fácil!


Eu amo o Longe e a Miragem,


Amo os abismos, as torrentes, os desertos...



Ide! tendes estradas,


Tendes jardins, tendes canteiros,


Tendes pátrias, tendes tectos,


E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.


Eu tenho a minha Loucura!


Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,


E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...



Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.


Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;


Mas eu, que nunca principio nem acabo,


Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.



Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!


Ninguém me peça definições!


Ninguém me diga: "vem por aqui"!


A minha vida é um vendaval que se soltou.


É uma onda que se alevantou.


É um átomo a mais que se animou...


Não sei por onde vou,


Não sei para onde vou,


- Sei que não vou por aí!




José Régio (1901 – 1969)



“Poemas de Deus e do Diabo” - 1925 – 10ª edição (1984) - Porto - Portugal

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